Cinema no Brasil - parte 2

Atlântida

Em 18 de setembro de 1941, Moacir Fenelon e José Carlos Burle fundam a Atlântida Cinematográfica com um objetivo bem definido: promover o desenvolvimento industrial do cinema brasileiro. Liderando um grupo de aficcionados, entre os quais o jornalista Alinor Azevedo, o fotógrafo Edgar Brazil, e Arnaldo Farias, Fenelon e Burle prometiam fazer a necessária união de um cinema artístico com o cinema popular.

Durante quase dois anos são produzidos somente cinejornais, o primeiro deles "Atualidades Atlântida". Da experiência adquirida com os cinejornais vem o primeiro longa-metragem, um documentário-reportagem sobre o IV Congresso Eucarístico Nacional, em São Paulo, em 1942. Junto, como complemento, o média-metragem "Astros em Desfile", uma espécie de parada musical filmada com artistas famosos da época, antecipando o caminho que a Atlântida percorreria mais tarde.

Em 1943 acontece o primeiro grande sucesso da Atlântida: "Moleque Tião", dirigido por José Carlos Burle, com Grande Otelo no papel principal e inspirado em dados biográficos do próprio ator. Hoje não existe sequer uma cópia do filme que, segundo a crítica, abria caminho para um cinema voltado às questões sociais ao invés de um cinema preocupado em divulgar apenas números musicais.

De 1943 a 1947 a Atlântida consolida-se como a maior produtora brasileira. Nesse período são produzidos 12 filmes, destacando-se "Gente Honesta" (1944), direção de Moacir Fenelon, com Oscarito no elenco, e "Tristezas Não Pagam Dívidas", também de 1944, dirigido por José Carlos Burle. No filme Oscarito e Grande Otelo atuam juntos pela primeira vez, mas sem ainda formar a famosa dupla.

O ano de 1945 marca a estréia na Atlântida de Watson Macedo, que se transformaria num dos grandes diretores da companhia. Macedo dirige o filme "Não Adianta Chorar", uma série de esquetes humorísticos entremeados com números musicais carnavalescos. No elenco Oscarito, Grande Otelo, Catalano, e outros comediantes do rádio e do teatro.

Em 1946, outro destaque: "Gol da Vitória", de José Carlos Burle, com Grande Otelo no papel do craque Laurindo. Produção bastante popular sobre o mundo do futebol, lembrando em muitas cenas o célebre Leônidas da Silva (o "diamante negro"), o melhor jogar da época. Ainda em 1946, Watson Macedo faz a comédia musical "Segura Essa Mulher", com Grande Otelo e Mesquitinha. Grande sucesso, inclusive na Argentina.

O filme seguinte, "Este Mundo é um Pandeiro", de 1947, é fundamental para se entender as comédias da Atlântida, também conhecidas como chanchada. Nele, Watson Macedo delineava com grande precisão alguns detalhes que as chanchadas assumiriam mais tarde: a paródia à cultura estrangeira, em especial ao cinema feito em Hollywood, e uma certa preocupação em expor as mazelas da vida pública e social do país. Uma sequência antológica de "Este Mundo é um Pandeiro" mostra Oscarito travestido de Rita Hayworth parodiando uma cena do filme "Gilda", e em outras cenas alguns personagens criticam o fechamento dos cassinos.

Dessa primeira fase da Atlântida resta apenas a comédia "Fantasma por Acaso", de Moacir Fenelon. Os outros filmes perderam-se num incêndio nas instalações da empresa, em 1952.

Em 1947 ocorre a grande virada na história da Atlântida. Luiz Severiano Ribeiro Jr. torna-se sócio majoritário da empresa, integrando-se a um mercado que já dominava nos setores de distribuição e exibição. A partir daí, a Atlântida consolida suas comédias populares e a chanchada transforma-se na marca registrada da companhia.

A entrada de Severiano Ribeiro Jr. na Atlântida assegura, de imediato, maior penetração dos filmes junto ao grande público, definindo os parâmetros do sucesso da produtora. Controlando todas as fases do processo (produção, distribuição, exibição) e favorecido pela ampliação da reserva de mercado de um para três filmes, o esquema montado por Severiano Ribeiro Jr., que possuía também um laboratório para processamento dos filmes, considerado um dos mais modernos do país, representa uma experiência inédita na produção cinematográfica voltada exclusivamente para o mercado. Estava aberto o caminho para a chanchada. O ano de 1949 marca definitivamente a forma em que o gênero atingiria o clímax e atravessaria toda a década de 50.

Watson Macedo já demonstra em "Carnaval no Fogo" um perfeito domínio dos signos da chanchada, misturando habilmente os tradicionais elementos do "showbusiness" e do romance, com uma intriga policial envolvendo a clássica situação de troca de identidade.

Paralelo às chanchadas, a Atlântida envereda pelos chamados filmes sérios. O melodrama "Luz dos meus Olhos", de 1947, dirigido por José Carlos Burle, abordando problemas raciais, não faz sucesso de público, mas é premiado pela crítica como melhor filme do ano. Adaptada do romance "Elza e Helena", de Gastão Cruls, Watson Macedo realiza "A Sombra da Outra" e recebe o prêmio de melhor diretor de 1950.

Antes de sair da Atlântida e fundar sua própria produtora, Watson Macedo faz mais dois musicais para a empresa: "Aviso aos Navegantes", em 1950, e "Aí Vem o Barão", em 1951, consolidando a dupla Oscarito e Grande Otelo, verdadeiro fenômeno de bilheteria para o cinema brasileiro.
Em 1952 José Carlos Burle realiza "Carnaval Atlântida", espécie de filme-manifesto, associando definitivamente a Atlântida ao carnaval, e abordando com humor o imperialismo cultural, tema quase sempre presente em seus filmes, e "Barnabé, Tu És Meu", parodiando os antigos contos das "Mil e uma Noites"

Ainda em 1952, a Atlântida ruma pelo "thriller" romântico-policial. O filme é "Amei um Bicheiro", dirigido pela dupla Jorge Ileli e Paulo Wanderley, considerado um dos mais importantes filmes produzidos pela Atlântida, embora não seguisse os esquema das chanchadas, trazia no elenco basicamente os mesmos atores desse tipo de comédia, inclusive Grande Otelo num notável desempenho dramático.

Mas a Atlântida se renova. Em 1953 um jovem diretor, Carlos Manga, faz seu primeiro filme. Em "A Dupla do Barulho", Manga mostra já saber dominar os principais elementos narrativos do cinema feito em Hollywood. E é justamente essa identificação com o cinema norte-americano que marca esteticamente a dependência do cinema brasileiro com a indústria de Hollywood, num conflito sempre presente nos filmes da década de 50.

Depois da bem-sucedida estréia, Manga realiza em 1954, "Nem Sansão Nem Dalila" e "Matar ou Correr", duas comédias modelos na utilização da linguagem da chanchada que superavam a gargalhada banal. "Nem Sansão Nem Dalila", paródia à super-produção hollywoodiana "Sansão e Dalila", de Cecil B. de Mille, e uma dos melhores exemplos de comédia brasileira de caráter político, satiriza as manobras para um golpe populista e as tentativas de neutralizá-lo.

"Matar ou Correr" é um delicioso faroeste tropical parodiando o clássico "Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann. Destaque mais uma vez para a dupla Oscarito e Grande Otelo, e para a competente cenografia de Cajado Filho. Essas duas comédias firmam definitivamente o nome de Carlos Manga, mantendo como pontos de apoio o humor de Oscarito e Grande Otelo e os argumentos sempre criativos de Cajado Filho.

Oscarito, desde 1954 sem a parceria com Grande Otelo, continua demostrando seu talento em sequências memoráveis como nos filmes "O Golpe", de 1955, "Vamos com Calma" e "Papai Fanfarão", ambos de 1956, "Colégio de Brotos", de 1957, "De Vento em Popa", também de 1957, em que Oscarito faz uma hilariante imitação do ídolo Elvis Presley. Em 1958, Oscarito vive o personagem Filismino Tinoco, protótipo de funcionário público padrão, na comédia "Esse Milhão é Meu", e em outra sensacional paródia, "Os Dois Ladrões", de 1960, imita os trejeitos de Eva Todor em frente ao espelho, numa clara referência ao filme "Hotel da Fuzarca", com os Irmãos Marx.

De todos os filmes dirigidos por Carlos Manga na Atlântida, "O Homem do Sputnik", de 1959, talvez seja o que melhor sintetize o espírito irreverente da chanchada. Divertida comédia sobre a "guerra-fria", "O Homem do Sputnik" faz uma contundente crítica ao imperialismo norte-americano e é considerado pelos especialistas os melhor filme produzido pela Atlântida. Além da impagável atuação de Oscarito, temos a exuberância da novata Norma Bengel e Jô Soares em seu primeiro papel no cinema.

Em 1962, a Atlântida produz seu último filme, "Os Apavorados", de Ismar Porto. Depois associa-se a várias companhias nacionais e estrangeiras em co-produções. Em 1974, em conjunto com Carlos Manga, realiza "Assim Era a Atlântida", coletânea contendo trechos dos principais filmes produzidos pela empresa.

Os filmes da Atlântida representaram a primeira experiência brasileira de longa duração na produção cinematográfica voltada para o mercado com um esquema industrial auto-sustentável.

Para o espectador, o fato de encontrar na tela tipos populares como o herói malandro e desocupado, os mulherengos e preguiçosos, as empregadas domésticas e as donas de pensão, os imigrantes nordestinos, provoca grande receptividade.

Mesmo pretendendo, em certos aspectos, imitar o modelo hollywoodiano, as chanchadas transpiram uma inconfundível brasilidade ao colocar em relevo os problemas cotidianos da época.

Presentes na linguagem da chanchada, elementos do circo, do carnaval, do rádio e do teatro. Atores e atrizes de grande popularidade no rádio e no teatro ficam imortalizados através das chanchadas. Ficam registradas, também, consagradas músicas carnavalescas e os sucessos do rádio.

Em nenhum outro momento de sua história, o cinema brasileiro tem tanta aceitação popular. Carnaval, homem urbano, burocracia, demagogia populista, temas sempre presentes nas chanchadas, abordados com vivacidade e o insuperável humor carioca.

Os filmes da Atlântida e particularmente as chanchadas formam o retrato de um país em transição, abdicando dos valores de uma sociedade pré-industrial e ingressando na vertiginosa ciranda da sociedade de consumo, cujo modelo teria num novo meio (a TV) o seu grande sustentáculo.

Vera Cruz
Nos vinte primeiros anos do cinema falado, a produção paulista foi quase inexistente, enquanto que a carioca se consolidou e prosperou com as famosas chanchadas da Atlântida. Precárias comédias carnavalescas e recheadas com sucessos musicais do momento. Eram sucesso garantido de público.

Baseando-se nisso, Zampari resolve criar uma companhia para produzir filmes de qualidade como os de Hollywood. A Vera Cruz era uma empresa moderna e ambiciosa, que dispunha do apoio da burguesia de São Paulo, a metrópole econômica do País. O surgimento da Vera Cruz reflete aspectos da história cultural do Brasil: a influência italiana, o papel de São Paulo na modernização da cultura, o surgimento e as dificuldades das indústrias culturais no país e as origens da produção audiovisual brasileira.

De fato o modelo da Vera Cruz era Hollywood, mas a mão de obra qualificada foi importada da Europa: o fotógrafo era britânico, o editor austríaco e o engenheiro de som dinamarquês. Pessoas de mais de vinte e cinco nacionalidades trabalharam na Vera Cruz, mas os italianos eram mais numerosos. A companhia foi construída em São Bernardo do Campo e ocupava 100 mil metros quadrados.

Os equipamentos para os estúdios eram todos importados. O sistema de som tinha oito toneladas de aparelhos e veio de Nova York. Na época, era a maior carga área enviada da América do Norte para a América do Sul. As câmeras, apesar de segunda mão, eram as mais modernas do mundo e estavam em ótimo estado. Enquanto chegavam os equipamentos, eram montadas as salas de cortes, carpintaria, almoxarifado, restaurante, além das casas e os apartamentos dos artistas.

Um grande nome da produtora era Alberto Cavalcanti, brasileiro que começou trabalhando na França na chamada avant-garde, colaborando em produções dos estúdios franceses de Joinville, estimulou e inspirou a renovação do documentário britânico. Cavalcanti estava em São Paulo para uma série de conferências quando foi convidado pelo próprio Zampari para dirigir a Vera Cruz. Cavalcanti gostou da idéia, assinou contrato e teve carta branca para fazer tudo o que quisesse como diretor geral da companhia.

Fechou contratos com a Universal e Columbia Pictures para a distribuição mundial dos filmes que iria fazer. Ele achava que seria impossível o mercado interno cobrir os custos das produções que estavam sendo planejadas. Porém com sua personalidade exigente e intrigante, Cavalcanti produz dois filmes, briga com os donos da companhia e pede demissão. A saída de Cavalcanti em 1951 é a primeira de uma série de crises que levará a Vera Cruz a falir.

Em 1953, o objetivo de se produzir e lançar seis filmes em um ano é atingido: "Uma Pulga na Balança", "A família Lero-Lero", "Esquina da Ilusão", "Luz Apagada" e mais duas super produções de enorme sucesso nas bilheterias nacionais e internacionais: "Sinhá Moça" e "O Cangaceiro".

Estes dois últimos darão a Vera Cruz espaços nos exigentes circuitos europeus, além da primeira grande premiação internacional de nosso cinema. "O Cangaceiro" recebe prêmio de melhor filme de aventura no Fesival de Cannes. Fatura só no mercado brasileiro 1,5 milhões de dólares. Fica para a produtora apenas 500 mil dólar deste total, pouco mais da metade do custo do filme, que foi de 750 mil dólares. No exterior, o faturamento alcança milhões de dólares. Na década de 50, foi considerada uma das maiores bilheterias da Columbia Pictures. Porém, nenhum dólar a mais viria para a Vera Cruz, já que toda comercialização internacional pertencia à Columbia.

No auge do sucesso a Vera Cruz está financeiramente quebrada. Pode-se dizer que o maior sucesso da Vera Cruz virou seu maior prejuízo. Sem saída, a Vera Cruz caminha para o encerramento de suas atividades com uma dívida gigantesca. O credor principal, o Banco do Estado de São Paulo, assume a direção da empresa e agiliza a conclusão dos últimos filmes: o policial "Na senda do crime"; a comédia "É proibido beijar", outro filme com Mazzaropi; "Candinho" e a última superprodução que conquistou sucesso de bilheteria, "Floradas na Serra".

No fim do ano de 1954, as atividades da empresa chegam ao fim. É o fim também para Zampari, que aplicou toda sua fortuna pessoal numa dramática tentativa de salvar a Vera Cruz. O depoimento de sua esposa, Débora Zampari, para Maria Rita Galvão, no livro "Burguesia e Cinema: O Caso Vera Cruz", diz tudo. "Nós levávamos uma boa vida. A Vera Cruz foi um sorvedouro, um Moloch que consumiu tudo o que era nosso, inclusive a saúde e a vitalidade de meu marido. Ele nunca conseguiu se recuperar do golpe. Morreu amargurado, pobre e só."

Identide Nacional

Em meados da década de 50, começa a surgir uma estética nacional. Nesta época são produzidos "Agulha no palheiro" (1953), de Alex Viany, "Rio 40 graus" (1955), de Nelson Pereira dos Santos, e "O grande momento" (1958), de Roberto Santos, inspirados no neo-realismo italiano. A temática e os personagens começam a expressar uma identidade nacional e lançam a semente do Cinema Novo. Paralelamente, destaca-se o cinema de Anselmo Duarte, premiado em Cannes, em 1962, com "O pagador de promessas", e dos diretores Walther Hugo Khouri, Roberto Farias ("Assalto ao trem pagador") e Luís Sérgio Person ("São Paulo S.A.").

O paulista Nelson Pereira dos Santos desde o final da década de 40 freqüentava cineclubes e realizava curtas de 16 milímetros. Seu filme de estréia, "Rio 40 graus" (1954), marca uma nova fase no cinema brasileiro, de busca da identidade nacional, seguido por "Rio Zona Norte" (1957),"Vidas secas" (1963), "Amuleto de Ogum" (1974), "Memórias do cárcere" (1983), "Jubiabá" (1985) e "A terceira margem do rio" (1994).

Roberto Santos, também paulista, trabalhava nos estúdios da Multifilmes e Vera Cruz como continuista e assistente de direção. Posteriormente, realiza alguns documentários como "Retrospectivas" e "Judas na passarela", na década de 70. "O grande momento", de 1958, seu filme de estréia, aproxima-se do neo-realismo e reflete os problemas sociais brasileiros. Seguem, entre outros, "A hora e a vez de Augusto Matraga" (1965), "Um anjo mau" (1971) e "Quincas Borbas" (1986).

Walter Hugo Khouri produzia e dirigia teleteatros para a TV Record, na década de 50. Nos estúdios da Vera Cruz, começa fazendo preparação de produção e, em 1964, passa à frente da companhia. Influenciado por Bergman, sua produção enfoca os problemas existenciais, com trilha sonora refinada, diálogos inteligentes e mulheres sensuais. Autor completo de seus filmes, faz roteiro, direção, orienta a montagem e a fotografia. Depois de "O gigante de pedra" (1952), seu primeiro filme, segue-se "Noite vazia" (1964), "O anjo da noite" (1974), "Amor estranho amor" (1982), "Eu" (1986) e "Forever" (1988), entre outros.

Cinema Novo

Durante a década de 60, diversos movimentos culturais, políticos e sociais estouraram pelo mundo. No Brasil, o movimento no cinema ficou conhecido como "Cinema Novo". Ele tratava os filmes como veículos para a demonstração dos problemas político-sociais do país. Esse movimento teve grande força em países como França, Itália, Espanha e principalmente Brasil. Aqui, o Cinema Novo tornou-se uma espécie de arma do povo, nas mãos dos cineastas, contra o governo.

"Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça" é o lema dos cineastas que, nos anos 60, se propõem a realizar filmes de autor, baratos, com preocupações sociais e enraizados na cultura brasileira.

O Cinema Novo dividiu-se em 2 fases: a primeira, de fundo rural, desenvolveu-se entre 1960 e 1964, e a segunda, de fundo político, tornou-se presente a partir de 1964, desenrolando-se durante praticamente todo o período de ditadura militar no Brasil.

O Cinema Novo foi iniciado no Brasil por influencia de um movimento anterior, chamado neo-realismo. No neo-realismo, os cineastas trocavam os estúdios pelas ruas e, desse modo, acabaram por chegar no campo.

A partir daí, começa a primeira fase do período de maior reconhecimento do cinema nacional. Essa fase preocupava-se em trazer à tona o problema da terra e o modo de vida daqueles que nela viviam. Não apenas discutiam a questão da reforma agrária, mas principalmente as tradições, a ética e a religião do homem do campo. Temos como grandes exemplos os filmes de Glauber Rocha, o maior representante do cinema novo no Brasil, as obras de maior repercussão foram "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) de Glauber Rocha, "Vidas secas" (1963), de Nelson Pereira dos Santos, "Os fuzis", de Rui Guerra e "O Pagador de Promessas" de Anselmo Duarte (1962), ganhador da Palma de Ouro em Cannes naquele ano.

A segunda fase do Cinema Novo brasileiro começa juntamente com o governo militar que teve vigência no período 1964-1985. Nessa fase, os cineastas estavam preocupados em agregar a seus filmes um certo caráter de engajamento político. Porém, devido à censura, esse caráter político tinha que ser disfarçado. Temos como bons exemplos dessa fase "Terra em Transe" (Glauber Rocha), "A falecida" (Leon Hirszman), "O desafio" (Paulo César Sarraceni), "A grande cidade" (Carlos Diegues) "Eles não usam Black-Tie" (Leon Hirszman), "Macunaíma" (Joaquim Pedro de Andrade), "Brasil ano 2000" (Walter Lima Jr.), "O bravo guerreiro" (Gustavo Dahl) e "Pindorama" (Arnaldo Jabor).

Seja discutindo problemas rurais ou políticos, o Cinema Novo brasileiro foi de extrema importância. Além de tornar o Brasil reconhecido como país de grande importância no cenário cinematográfico mundial, trouxe ao público alguns problemas que eram mantidos longe da vista popular.

Glauber Rocha é o grande nome do cinema brasileiro. Iniciou a carreira em Salvador, como crítico de cinema e documentarista, realizando "O pátio" (1959) e "Uma cruz na praça" (1960). Com "Barravento" (1961), é premiado no Festival de Karlovy Vary, na Tchecoslováquia. "Deus e o diabo na terra do sol" (1964), "Terra em transe" (1967) e "O dragão da maldade contra o santo guerreiro" (1969) ganham prêmios no exterior e projetam o Cinema Novo. Nesses filmes predomina uma linguagem nacional e de caráter popular, que se distingue daquela do cinema comercial americano, presente em seus últimos filmes, como "Cabeças cortadas" (1970), filmado na Espanha, e "A idade da terra" (1980).

Joaquim Pedro de Andrade em sua primeira experiência profissional trabalha como assistente de direção. No final da década de 50, dirige seus primeiros curtas, "Poeta do castelo" e "O mestre de Apipucos", e participa do Cinema Novo dirigindo importantes obras, como "Cinco vezes favela – 4o episódio: Couro de gato" (1961), "Garrincha, alegria do povo" (1963), "O padre e a moça" (1965), "Macunaíma" (1969) e "Os inconfidentes" (1971).

Cinema Marginal

No final da década de 60, jovens diretores ligados inicialmente ao Cinema Novo vão aos poucos rompendo com a antiga tendência, em busca de novos padrões estéticos. "O bandido da luz vermelha", de Rogério Sganzerla e "Matou a família e foi ao cinema", de Júlio Bressane, são os filmes-chave dessa corrente underground alinhada com o movimento mundial de contracultura e com a explosão do tropicalismo na MPB.

Dois autores têm, em São Paulo, suas obras consideradas como inspiradoras do cinema marginal: Ozualdo Candeias ("A margem") e o diretor, ator e roteirista José Mojica Marins ("No auge do desespero", "À meia-noite levarei sua alma"), mais conhecido como Zé do Caixão.

Tendências Contemporâneas

Em 1966 o Instituto Nacional de Cinema (INC) substitui o INCE, e é criada em 1969 a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) para financiar, co-produzir e distribuir os filmes brasileiros. Há então uma produção diversificada que atinge o auge em meados dos anos 80 e, gradativamente, começa a declinar. Alguns sinais de recuperação são notados em 1993.

Anos 70

Remanescentes do Cinema Novo ou cineastas estreantes, em busca de um estilo de comunicação mais popular, produzem obras significativas. "São Bernardo", de Leon Hirszman; "Lição de amor", de Eduardo Escorel; "Dona Flor e seus dois maridos", de Bruno Barreto; "Pixote", de Hector Babenco; "Tudo bem" e "Toda a nudez será castigada", de Arnaldo Jabor; "Como era gostoso o meu francês", de Nelson Pereira dos Santos; "A dama do lotação", de Neville d'Almeida; "Os inconfidentes", de Joaquim Pedro de Andrade, e "Bye, bye, Brasil", de Cacá Diegues, refletem as transformações e contradições da realidade nacional.

Pedro Rovai ("Ainda agarro essa vizinha") e Luís Sérgio Person ("Cassy Jones, o magnífico sedutor") renovam a comédia de costumes numa linha seguida por Denoy de Oliveira ("Amante muito louca") e Hugo Carvana ("Vai trabalhar, vagabundo").

Arnaldo Jabor começa sua carreira escrevendo críticas de teatro. Participa do movimento do Cinema Novo, realizando curtas – "O circo" e "Os saltimbancos" – e estréia no longa-metragem com o documentário "Opinião pública" (1967). Produz em seguida "Pindorama" (1970). Adapta dois textos de Nelson Rodrigues: "Toda nudez será castigada" (1973) e "O casamento" (1975). Prossegue com "Tudo bem" (1978), "Eu te amo" (1980) e "Eu sei que vou te amar" (1984).

Carlos Diegues e começa a dirigir filmes experimentais aos 17 anos. Faz críticas de cinema e desenvolve atividades como jornalista e poeta. Posteriormente, dirige curtas e trabalha como argumentista e roteirista. Um dos fundadores do Cinema Novo realiza "Ganga Zumba" (1963), "Quando o carnaval chegar" (1972), "Joana Francesa" (1973), "Xica da Silva" (1975), "Bye, bye Brasil" (1979) e "Quilombo" (1983), entre outros.

Hector Babenco, produtor, diretor e roteirista inicia sua carreira como figurante no filme "Caradura", de Dino Risi, filmado na Argentina, em 1963. Em 1972, já no Brasil, funda a HB Filmes e dirige curtas como "Carnaval da vitória" e "Museu de Arte de São Paulo". No ano seguinte, faz o documentário "O fabuloso Fittipaldi". Seu primeiro longa-metragem, "O rei da noite" (1975), retrata a trajetória de um boêmio paulistano. Seguem "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia" (1977), "Pixote, a lei do mais fraco" (1980), "O beijo da mulher aranha" (1985) e "Brincando nos campos do senhor" (1990).

Pornochanchada

No esforço para reconquistar o público perdido, a "Boca do Lixo" paulista produz "pornochanchadas". Influência de filmes italianos em episódios retomados de títulos chamativos e eróticos, e reinserção da tradição carioca na comédia popular urbana marcam uma produção que, com poucos recursos, consegue uma boa aproximação com o público, como "Memórias de um gigolô", "Lua-de-mel e amendoim" e "A viúva virgem". No início dos anos 80, evoluem para filmes de sexo explícito, de vida efêmera.

Década de 80
A abertura política favorece a discussão de temas antes proibidos, como em "Eles não usam black-tie", de Leon Hirszman, e "Pra frente, Brasil", de Roberto Farias, que é o primeiro a discutir a questão da tortura. "Jango e Os anos JK", de Silvio Tendler, relatam a história recente e "Rádio auriverde", de Silvio Back, dá uma visão polêmica da atuação da Força Expedicionária Brasileira na 2a. Guerra.

Surgem novos diretores como Lael Rodrigues ("Bete Balanço"), André Klotzel ("Marvada carne") e Susana Amaral ("A hora da estrela"). No final da década, a retração do público interno e a atribuição de prêmios estrangeiros a filmes brasileiros fazem surgir uma produção voltada para a exibição no exterior: "O beijo da mulher aranha", de Hector Babenco, e "Memórias do cárcere", de Nelson Pereira dos Santos. As funções da Embrafilme, já sem verbas, começam a esvaziar-se, em 1988, com a criação da Fundação do Cinema Brasileiro.

Década de 90

A extinção da Lei Sarney e da Embrafilme e o fim da reserva de mercado para o filme brasileiro fazem a produção cair quase a zero. A tentativa de privatização da produção esbarra na inexistência de público num quadro onde é forte a concorrência do filme estrangeiro, da tevê e do vídeo. Uma das saídas é a internacionalização, como em A grande arte, de Walter Salles Jr., co-produzida com os EUA.

O 25o Festival de Brasília (1992) é adiado por falta de filmes concorrentes. No de Gramado, internacionalizado para poder sobreviver, só se inscrevem, em 1993, dois filmes brasileiros: "Capitalismo selvagem", de André Klotzel, e "Forever", de Walter Hugo Khouri, rodado com financiamento italiano.

A partir de 1993 há uma retomada da produção nacional através do Programa Banespa de Incentivo à Indústria Cinematográfica e do Prêmio Resgate Cinema Brasileiro, instituído pelo Ministério da Cultura. Diretores recebem financiamentos para a produção, finalização e comercialização dos filmes. Aos poucos, as produções vão aparecendo, como "A terceira margem do rio", de Nelson Pereira dos Santos, "Alma corsária", de Carlos Reichenbach, "Lamarca", de Sérgio Rezende, "Vagas para moças de fino trato", de Paulo Thiago, "Não quero falar sobre isso agora", de Mauro Farias, "Barrela – escola de crimes", de Marco Antônio Cury, "O Beijo 2348/72", de Walter Rogério, e "A Causa Secreta", de Sérgio Bianchi.

A parceria entre televisão e cinema acontece em "Veja esta canção", dirigido por Carlos Diegues e produzido pela TV Cultura e pelo Banco Nacional. Em 1994, novas produções, em preparação ou mesmo finalizadas, apontam: "Era uma vez", de Arturo Uranga, "Perfume de gardênia", de Guilherme de Almeida Prado, "O corpo", de José Antonio Garcia, "Mil e uma", de Susana Moraes, "Sábado", de Ugo Giorgetti, "As feras", de Walter Hugo Khouri, "Foolish heart", de Hector Babenco, "Um grito de amor", de Tizuka Yamasaki, e "O cangaceiro", de Carlos Coimbra, um remake do filme de Lima Barreto.

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